Exclusividade Territorial e Direitos do Representante Comercial
- Raquel Brum Pinheiro
- há 10 horas
- 6 min de leitura
A zona de atuação é um dos elementos mais importantes do contrato de representação comercial. Ela define geograficamente onde o representante tem o direito de prospectar clientes, realizar vendas e receber comissões. Apesar de sua relevância, muitos representantes e empresas ainda têm dúvidas sobre como funciona a exclusividade territorial e quais são os direitos envolvidos.
O Que é a Zona de Atuação?
A zona de atuação é a delimitação geográfica onde o representante comercial pode exercer suas atividades em nome da empresa representada. Essa área pode ser definida de diversas formas: um bairro específico, uma cidade, um estado, uma região ou até mesmo todo o território nacional.
A Lei 4.886/65, que regula a atividade de representação comercial, não obriga que o contrato estabeleça uma zona específica. No entanto, quando ela é definida contratualmente, gera direitos e obrigações importantes para ambas as partes.
Exclusividade Territorial e Direitos do Representante Comercial: A Regra e a Exceção
A exclusividade territorial significa que apenas aquele representante comercial tem o direito de atuar em determinada região. Quando a zona é exclusiva, a representada não pode contratar outros representantes para aquela mesma área nem realizar vendas diretas sem pagar a comissão devida.
Formas de Garantir a Exclusividade
Exclusividade Expressa no Contrato: Esta é a forma mais segura e recomendada. Quando o contrato prevê explicitamente a exclusividade territorial, não há margem para dúvidas. Todas as vendas realizadas naquela zona, independentemente de quem as efetivou, geram comissão para o representante.
Exclusividade Presumida: O Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu um importante entendimento sobre este tema. Segundo o precedente fixado no REsp 1634077/SC, é possível presumir a existência de exclusividade territorial quando o contrato for omisso (silencioso) sobre o assunto, desde que o representante consiga demonstrar por outros meios que atuava com exclusividade na prática.
Isso significa que, mesmo sem cláusula expressa, se o representante comprovar através de documentos, testemunhas, histórico comercial ou correspondências que sempre atuou como único representante naquela região, a exclusividade pode ser reconhecida judicialmente.
Exclusividade Afastada Expressamente: Por outro lado, se o contrato contiver cláusula que afasta expressamente a exclusividade, as vendas diretas pela representada são consideradas exercício regular de direito, não gerando comissão ao representante. O STJ confirmou esse entendimento no REsp 2034962/PE, esclarecendo que, nestes casos, não há ato ilícito da representada.
Tipos de Zona de Atuação
Zona Exclusiva: O representante é o único autorizado a atuar naquela região. Todas as vendas realizadas naquele território geram comissão para ele, mesmo que sejam feitas diretamente pela representada ou por outros canais.
Zona Não Exclusiva: Vários representantes podem atuar na mesma área, e apenas receberão comissão pelas vendas que efetivamente realizarem.
Zona Mista: Parte do território é exclusiva e parte é compartilhada com outros representantes.
Direito à Comissão nas Vendas Dentro da Zona
Quando existe exclusividade territorial, seja expressa ou presumida, o representante tem direito à comissão sobre todas as vendas realizadas em sua zona, independentemente de quem as efetivou. Isso inclui:
Vendas realizadas diretamente pela própria empresa representada
Vendas feitas por outros canais (e-commerce, televendas, marketplace)
Pedidos recebidos passivamente pela empresa, mesmo sem prospecção ativa
Vendas para clientes que já existiam antes da contratação do representante
Esse direito é uma proteção importante para o representante, que investe tempo e recursos para desenvolver o mercado em sua região. Sem essa garantia, a empresa poderia facilmente se apropriar dos frutos do trabalho de prospecção e relacionamento desenvolvido pelo representante.
Atenção ao Instituto da Supressio
Um ponto crucial que todo representante comercial deve conhecer é a teoria da supressio, derivada do princípio da boa-fé objetiva. A jurisprudência tem aplicado esse instituto de forma recorrente em casos de representação comercial.
A supressio ocorre quando o representante tolera, por um longo período, que a representada reduza suas comissões ou realize vendas diretas sem o devido pagamento. Essa inércia pode fazer com que o representante perca o direito de cobrar essas diferenças retroativamente, pois cria na representada a legítima expectativa de que a nova condição foi aceita.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, na Apelação Cível 1003034-36.2016.8.26.0347, reconheceu a justa causa para rescisão por violação da exclusividade, mas afastou o pedido de diferenças de comissão por entender que a não insurgência do representante por um longo período configurou aceitação tácita.
Lição Prática: Se você é representante comercial e percebe que a representada está violando sua exclusividade territorial ou deixando de pagar comissões devidas, não fique inerte. Notifique formalmente a empresa, por escrito, manifestando sua discordância e exigindo a regularização. A omissão prolongada pode ser interpretada como concordância tácita.
O Que Acontece Quando a Empresa Vende Diretamente na Zona Exclusiva?
Se o contrato prevê exclusividade (ou se ela é presumida) e a representada realiza vendas diretas na zona do representante sem pagar a comissão correspondente, isso configura violação contratual. O representante tem direito de:
Exigir o pagamento das comissões devidas
Cobrar judicialmente os valores não pagos
Em casos reiterados, rescindir o contrato por justa causa e receber todas as verbas rescisórias
A jurisprudência brasileira é pacífica em reconhecer esse direito. Os tribunais entendem que a exclusividade territorial é cláusula essencial do contrato e sua violação pela representada justifica não apenas o pagamento das comissões, mas também pode fundamentar a rescisão indireta do contrato.
Alteração da Zona de Atuação e Redução da Esfera de Atividade
A zona de atuação pode ser alterada durante a vigência do contrato, mas isso exige concordância de ambas as partes. A empresa não pode unilateralmente reduzir ou modificar a área do representante, especialmente se houver exclusividade.
A Lei 4.886/65, em seu artigo 36, alínea "a", proíbe expressamente a redução da esfera de atividade do representante sem justa causa. A jurisprudência tem interpretado essa proibição de forma ampla, incluindo não apenas a redução física do território, mas também:
Supressão de clientes importantes da carteira
Transferência de grandes contas para outros representantes
Imposição de novas condições que diminuam o potencial de vendas
Restrições que limitem a atuação prática do representante
O STJ, no AgInt no AREsp 2368992/BA, decidiu que a supressão unilateral das vendas do principal cliente do representante configura motivo para rescisão indireta do contrato, reconhecendo o direito do representante a todas as verbas rescisórias.
Ônus da Prova
É importante destacar que, segundo o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (Apelação Cível 50232503820168130079), cabe ao representante comercial o ônus de provar tanto o fato da redução da área de atuação quanto o prejuízo decorrente dessa redução. Portanto, mantenha sempre documentação organizada de sua carteira de clientes, faturamento e histórico comercial.
Consequências da Alteração Unilateral
Caso a representada queira alterar a zona de atuação sem acordo, o representante pode:
Recusar a alteração e manter os termos originais do contrato
Aceitar mediante compensação financeira
Considerar a alteração unilateral como rescisão indireta e pleitear todas as verbas rescisórias previstas nos artigos 27, "j" e 34 da Lei 4.886/65
É fundamental documentar qualquer alteração por escrito, através de aditivo contratual, para evitar conflitos futuros.
Zona de Atuação e Rescisão Contratual
A zona de atuação também impacta significativamente o cálculo das verbas rescisórias. O potencial de mercado da região, o tempo de desenvolvimento da carteira de clientes e a exclusividade são fatores considerados para determinar o valor da indenização por clientela e dos 1/12 avos.
Um representante que desenvolveu uma zona exclusiva de grande potencial comercial, com carteira de clientes sólida e faturamento crescente, terá direito a indenizações maiores do que aquele que atuava em zona não exclusiva ou compartilhada.
Os tribunais reconhecem que a imposição de novas condições desfavoráveis, a quebra da exclusividade ou a supressão de clientes importantes são justos motivos para que o representante rescinda o contrato e exija as indenizações legais com base na culpa da representada.
Cuidados Essenciais no Contrato
Para evitar problemas relacionados à zona de atuação, o contrato deve especificar claramente:
A delimitação geográfica exata (estados, cidades, regiões)
Se há ou não exclusividade territorial (deixar expresso!)
Como serão tratadas as vendas diretas da empresa na zona
Política para clientes que fazem pedidos fora da zona habitual
Procedimento para expansão ou redução da área de atuação
Forma de cálculo das comissões em casos de clientes móveis ou com múltiplas filiais
Prazo e forma de notificação em caso de alterações contratuais
Quanto mais detalhado for o contrato nestes aspectos, menor será o risco de conflitos futuros.
Conclusão
Exclusividade Territorial e Direitos do Representante Comercial.
A zona de atuação e a exclusividade territorial são elementos fundamentais do contrato de representação comercial. Elas protegem o investimento do representante no desenvolvimento de mercado e garantem uma relação equilibrada entre as partes.
A jurisprudência recente trouxe importantes esclarecimentos sobre o tema: a exclusividade pode ser presumida quando o contrato é omisso, mas também pode ser expressamente afastada; a inércia do representante diante de violações pode resultar na perda de direitos; e qualquer redução da esfera de atividade do representante, seja territorial ou através da supressão de clientes, pode justificar a rescisão indireta com direito a todas as verbas rescisórias.
Se você é representante comercial, certifique-se de que seu contrato define claramente sua zona de atuação e a exclusividade. Mais importante ainda: não fique inerte diante de violações contratuais. Notifique formalmente a representada e busque a regularização imediatamente.
Se você é empresa representada, seja transparente sobre a política territorial e respeite os direitos contratuais dos seus representantes. A violação da exclusividade territorial pode resultar não apenas no pagamento de comissões, mas também em pesadas indenizações rescisórias.
Conflitos relacionados à zona de atuação são frequentes na Justiça e podem resultar em condenações significativas. A melhor forma de evitá-los é através de um contrato bem elaborado, do cumprimento rigoroso de seus termos e do diálogo transparente entre as partes.
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